O maior evento da história foi o fato de Jesus ter se encarnado a fim de morrer pela humanidade. E o segundo grande acontecimento foi o desenvolvimento da igreja com a finalidade de incorporar a vida de Cristo e proclamar ao mundo a salvação que ele opera. E quando ela desceu daquele cenáculo, em Jerusalém, como narrado em Atos 2, não tinha diante de si uma tarefa fácil. Aqueles cristãos teriam de continuar a obra de um Homem que, ao que se sabia, fora executado como um criminoso. Ademais teriam de convencer o mundo de que ele ressuscitara, de que era o Filho de Deus e o Salvador.
Tal missão, por sua natureza, já estava fadada ao fracasso desde o início. Quem daria crédito a uma história tão fantástica? Quem depositaria fé em uma Pessoa que a sociedade havia condenado e crucificado? Se a igreja tivesse sido largada à sua própria sorte, teria desaparecido como sucedera a milhares de outras seitas formadas em bases fracas. E não deixaria nada para que as gerações posteriores se lembrassem dela.
Um elemento miraculoso
O fato de a igreja não haver perecido se deve a um elemento miraculoso presente entre os discípulos de Cristo. Essas pessoas receberam esse fator miraculoso através do Espírito Santo, que desceu sobre elas no dia de Pentecostes, a fim de capacitá-las para a realização de sua tarefa. É que a igreja não era uma organização e muito menos um movimento. Era a encarnação viva da energia espiritual. Por isso, num período de tempo incrivelmente curto, ela realizou prodígios de vitórias espirituais que, se não fosse por Deus, seriam inexplicáveis.
Em suma, a igreja nasceu pelo poder de Deus e seguiu em frente movida pelo mesmo poder. No instante em que deixou de contar com ele, ela se escondeu em busca de segurança e tentou conservar o que havia conquistado. Entretanto as bênçãos dela eram semelhantes ao maná. Todas as vezes que o povo de Israel tentava guardar o maná ele fedia e dava bicho. E foi assim que tivemos o monasticismo, o escolasticismo e a institucionalização. Todos esses movimentos são sintomas de um mesmo problema: falta de poder espiritual. Por outro lado, sempre que a igreja se volta para o poder neotestamentário, ela obtém um novo avanço em algum aspecto, uma nova proclamação do evangelho da vida. Da mesma forma, cada vez que o poder diminui, vemos o surgimento de um novo mecanismo de defesa e de autopreservação.
Se essa análise estiver pelo menos um pouco correta, podemos afirmar que a igreja moderna se acha com um nível de energia espiritual muito baixo. É que se encontra quase que totalmente escondida e lutando desesperadamente para defender o pequeno território que ainda conserva em sua posse. Não possui a acuidade espiritual para discernir que sua melhor estratégia de defesa seria uma forte ofensiva. Por outro lado, caso soubesse disso, também nada faria, pois se acha enfraquecida demais, incapaz de tomar medidas corretivas com base nesse conhecimento.
Todavia, o fato é que, se quisermos crescer, precisamos ter poder. O paganismo está engolfando a igreja, mas a única reação dela é, vez por outra, “flexionar” de leve seus músculos morais. E tais tentativas podem até aparecer ocasionalmente numa coluna da secção religiosa de algum jornal. Contudo, têm muito pouco efeito de longa duração e logo caem no esquecimento. O certo, porém, é que a igreja precisa ter poder. E, se quiser reconquistar o prestígio perdido e dar à sua mensagem o tom revolucionário e vitorioso que tinha antes, tem de se mostrar grandiosa e “agressiva”.
O que é poder?
Como esse termo pode ser empregado de várias formas certas e erradas, vamos explicar o que queremos dizer com isso. Em primeiro lugar, refiro-me a uma energia espiritual com voltagem suficiente para tornar a produzir notáveis cristãos de vida santa, como aconteceu no passado. Esta geração de crentes moderados e inofensivos que caracteriza nossos dias é uma amostra muito fraca do que a graça de Deus pode realizar quando opera com poder. Esse frio ato de “aceitar Jesus” que vemos hoje em dia tem pouca semelhança com as conversões vertiginosas dos tempos bíblicos. Precisamos daquele poder que transforma, que enche a alma de uma doce embriaguez. Necessitamos do poder que leva um ex-perseguidor da igreja a ficar “maravilhado” diante do amor de Cristo.
Em segundo lugar, falo de uma unção espiritual que reveste nossos cultos de uma atmosfera celestial, que deixa nosso ambiente deleitoso pela Presença mística do Senhor. Num lugar santo assim, os sermões pomposos e as personalidades “petrificadas” vão ficar deslocados, pois causam constrangimento ao Espírito Santo. Desse modo, os holofotes estarão sobre quem realmente eles devem estar: na Pessoa do Senhor Jesus Cristo e em sua mensagem.
Uma instituição divina
Em seguida, quando falo em “poder”, refiro-me àquela qualidade celestial que caracteriza a igreja como instituição divina. A maior prova da fraqueza que vivenciamos nestes dias é o fato de não existir mais nada de tremendo e misterioso em nós. A mais certeira marca de que a igreja está caída é que ela ficou exposta aos olhos do mundo. Tudo que temos e somos é explicado pela psicologia e pela estatística.
Na época da igreja primitiva, os cristãos se reuniam no Pórtico de Salomão. O senso da presença de Deus era tão forte que “dos restantes, ninguém ousava ajuntar-se a eles” (At 5.13).
O povo via o fogo naquela sarça e se mantinha à distância, atemorizado. Mas hoje ninguém fica atemorizado com nossas “cinzas”. Eles “ousam” ajuntar-se a nós bem à vontade. Chegam a dar tapinhas nas costas da atual Noiva de Cristo e nos tratam com uma familiaridade até meio inconveniente. Se quisermos causar algum impacto entre os não salvos, para que tenham um santo temor do sobrenatural, precisaremos cultivar aquele mistério que provoca neles uma forte admiração. E tal mistério só existe no meio dos homens e igrejas que estão cheios do poder de Deus.
Sinais e maravilhas
Ademais, quando falo em “poder”, refiro-me àquela energia vigorosa que Deus, tanto nos tempos bíblicos quanto pós-bíblicos, derramou sobre a igreja e sobre as circunstâncias e batalhas relacionadas com ela. E foi essa energia que a tornou produtiva na obra e invencível diante de seus inimigos. Acontecem milagres? Sim, para quem gosta de usar o termo. Temos respostas de oração? Provisões especiais? Tudo isso e muito mais. E toda essa realidade acha-se resumida nas seguintes palavras do evangelista Marcos: “Então, os discípulos saíram e pregaram por toda a parte; e o Senhor cooperava com eles, confirmando a palavra com os sinais que a acompanhavam” (Mc 16.20 – nvi). Todo o livro de Atos dos Apóstolos bem como os melhores capítulos da história da igreja posterior ao período neotestamentário são apenas uma extensão desse versículo.
Palavras como as de Hebreus 2.4 constituem um libelo contra a igreja incrédula de nossos dias. “Dando Deus testemunho juntamente com eles, por sinais, prodígios e vários milagres e por distribuições do Espírito Santo, segundo a sua vontade.” Esta fria igreja de hoje é obrigada a dar uma nova interpretação a essa passagem. Como não consegue vivenciar essa realidade, fica arranjando explicações para ela. Isso exige um bocado de malabarismo e muito palavreado sem nenhuma autoridade bíblica. E qualquer coisa serve para “livrar nossa cara” e proteger nosso ego. Entretanto tal exegese não passa de um esconderijo para uma ortodoxia incrédula, de um refúgio para uma igreja que é fraca demais e não consegue se impor.
Qualquer um que tenha conhecimento dos fatos reconhece que para se realizar a obra de evangelização mundial é necessário ter poder sobrenatural. Achamo-nos tão defasados com relação à superioridade da força do mundo para com a nossa que, para nós, só existe uma solução: ou temos o socorro de Deus ou amargaremos uma derrota certa. O crente que sair para a obra e não tiver fé em “prodígios” regressará sem frutos. Ninguém deve ser tão imprudente que vá tentar realizar o impossível enquanto o Deus dos impossíveis não o tiver capacitado para isso. A garantia da vitória para nós é “o poder do Senhor estava com ele”.
Algo que toca o coração
Por último, quando falo em “poder”, refiro-me àquele sopro divino que toca o coração do ouvinte e o convence a arrepender-se e a crer em Cristo. E não se trata de eloquência, nem de lógica, nem de argumentação. Esse poder não é nenhum desses elementos embora possa conter alguns deles ou até todos. É algo mais penetrante que o pensamento, mais desconcertante que a consciência e mais convincente do que palavras. É aquele sutil “deslumbramento” que sempre acompanha uma mensagem realmente inspirada pelo Espírito Santo. É aquela misteriosa operação do Espírito ao nosso espírito. Para que um pecador seja salvo é necessário que esse poder esteja presente. Ele é a suprema capacitação sem a qual as pessoas não conseguem exercitar uma fé salvadora, nem mesmo as que mais anseiam a salvação.
Nós só obteremos sucesso na obra de Deus se tivermos poder, nem mais, nem menos. Se alguém passa um bom período de tempo sem frutos, tão certo quanto as centelhas voam para o alto, isso é prova de que lhe falta poder. É fato que as circunstâncias externas podem atrapalhar temporariamente. Entretanto, a verdade é que nada pode impedir por muito tempo a pura e simples operação do poder de Deus. Os homens podem até tentar resistir ao grandioso poder de Deus quando este lhe sobrevém. Isso será o mesmo que querer opor-se a um raio cintilante. Ou esse poder o salvará ou o destruirá. Terá um sabor de vida para a vida ou de morte para a morte.
A promessa de Deus para nós é: “Recebereis poder” (At 1.8). Essa é a provisão divina. O resto é conosco.
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A. W. Tozer foi pastor e também o redator-chefe da revista Alliance Weekly (publicação da igreja Christian and Missionary Alliance). O presente artigo foi publicado pela primeira vez no número de 16 de setembro de 1939, daquela revista. Foi republicado a 27 de abril de 1994, da Alliance Life, a publicação oficial dessa denominação. Usado com permissão.