Obsessão de liderança ou desejo de infância

Paul McKaughan

 

Parece haver milhões de livros publicados que tratam do tema “liderança”. Centenas de ministérios são fundadas com base na premissa de que o curso ou a técnica que ensinam pode transformar qualquer pessoa em um líder. A ideia divulgada é que todos devem se tornar líderes. E aqueles que não desejam liderar, provavelmente, têm algum gene faltando que a ciência ainda desconhece.

O cenário das missões cristãs não está alheio à busca desenfreada por cargos de liderança. Não estamos imunes ao dilúvio de materiais de autoajuda que invade o mercado. Todos já nos envolvemos demasiadamente com os ensinamentos de autoafirmação, manipulação e controle promulgados por nossa sociedade.

Em meu período devocional de hoje, li alguns versículos no Evangelho de Mateus que me deixaram bastante inquieto. Os discípulos se aproximaram de Jesus trazendo uma pergunta importante. Provavelmente depois de debaterem entre si de modo bem acalorado, decidiram perguntar a Jesus: “Quem é, porventura, o maior no reino dos céus?” Em termos atuais, eles queriam saber basicamente o seguinte: “Onde eu me encaixo nessa hierarquia? Como será o organograma de nossa instituição? Qual será minha influência no Reino?”

Respondendo, Jesus chamou uma criança e colocou-a diante dos discípulos. As palavras de Cristo foram decisivas: “Vocês estão seguindo na direção errada e, caso não deem meia-volta, arrependam-se e se humilhem como esta criança, nem sequer poderão entrar no meu reino. E, além disso, os maiores em meu reino assumem os cargos mais baixos, assim como essa criança”.

Sempre aplicamos esse trecho bíblico para falar sobre fé e salvação pessoal, no ato de ingressar no reino de Deus. Essa aplicação certamente é justificada. Entretanto, nunca havia prestado atenção ao contexto desse relato. O contexto real é a pergunta que Jesus estava respondendo: “Quem será o maior em teu reino?” Esse tópico parece relevante à discussão sobre liderança. No reino de Cristo, quem ocupa o lugar de responsabilidade e honra? A quem são designadas as prerrogativas de liderança, importância e status?

Nunca ouvi falar de um curso de liderança cujo lema seja “Aja como uma criança”. Certamente nunca iniciei meus estudos para líderes dessa maneira. Só o fato de acalentar essa ideia parece incoerente. Entretanto, essa foi a resposta do Mestre.

Hoje, eu e minha esposa estamos desfrutando a companhia de nosso netinho de dois anos de idade. Ele é – em raras ocasiões – um exemplo vivo do “pecado original”. E, no entanto, também exemplifica muitas características às quais Cristo poderia estar se referindo quando disse que o maior em seu reino deve ser como uma criança.

A criança não se preocupa muito com o futuro. Ela apenas reage ao amor das pessoas que influenciam sua vida. Nos dias de hoje, viver sem objetivos e planejamento é considerado uma atitude irresponsável. Entretanto, uma grande parte da Bíblia nos instrui a “confiar e obedecer”, em vez de planejar e executar. O próprio Jesus disse: “Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir... pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas”. Essa é a confiança típica de uma criança.

A criança geralmente reage mais do que planeja. Em períodos de reflexão sincera, tenho de admitir que minha vida tem sido grandemente moldada por eventos inesperados que quase sempre estão fora de meu controle. Esses acontecimentos causaram maior impacto do que todos meus exercícios disciplinados de planejamento e administração ministerial. Admitir que minhas tentativas de exercer controle podem ter sido uma ilusão é algo bastante estranho para alguém que passou a maior parte da vida atuando como planejador e professor de técnicas de planejamento. Meu impulso natural sempre é liderar, tomar a iniciativa e assumir o controle das circunstâncias. No entanto, Jesus afirmou que o maior em seu Reino escolhe se rebaixar, se humilhar como uma criança e reagir à autoridade que tem sobre si.

Ser como uma criança pode significar viver o momento presente. Na vida adulta, geralmente nos opomos a esse tipo de prática existencialista e normalmente a tachamos de “imaturidade”. Para a criança, o futuro é controlado por praticamente todos ao seu redor. Ela não tem muito controle sobre as circunstâncias. Simplesmente desfruta o momento atual. Todos nós conhecemos a praga social da prática narcisista de gratificação instantânea. Todavia, o estímulo por dominar as circunstâncias e aplicar todas as técnicas que nos façam parecer “importantes” também pode ser uma prática pecaminosa e egoísta. O deleite infantil para com o momento presente e o ato de confiar nos outros deveria ser uma atitude cultivada por todos nós.

A criança sabe como desfrutar o que possui. Divertir-se com brinquedos simples feitos de madeira e papelão parece trazer mais alegria ao meu neto do que os aparelhos eletrônicos caros que gostamos de lhe dar de presente. Como adulto, parece que sempre desejo mais e nunca estou satisfeito. Entretanto, o grande apóstolo Paulo afirmou que devemos sempre nos regozijar e aprender a estar contentes em todas as situações. Meu desejo constante por alcançar mais parece uma antítese ao ensinamento de agir com uma criança.

O enfoque de grande parte de minha vida tem sido instruir e treinar líderes. Parece que venho há muito ignorando a lição do Mestre, quando este disse aos discípulos para se humilharem e agirem como criança. Não tenho reconhecido nem ensinado que Jesus concede destaque aos súditos de seu reino, que se deleitam e se agradam de depender de Deus, em vez de serem aqueles que buscam “tomar as rédeas”. Talvez eu precise de mais um tempo até conseguir conciliar a prática de ser como uma criança e meu dever de administrar fielmente os recursos que o Senhor me concedeu para discipular as nações. Com certeza, continuarei fazendo planos e estabelecendo objetivos mensuráveis. Todavia, também desejo aproveitar o momento, cultivar um espírito mais alegre e desenvolver a disciplina do contentamento pessoal.

 

Paul McKaughan foi um dos fundadores da Missão Evangélica Betânia no Brasil. Foi escritor e conferencista internacional. Faleceu em dezembro de 2018.

 

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