O desafio de missões e a Estrutura Familiar

Estamos sempre nos admirando da velocidade com que o tempo passa.  Hoje tudo é rápido. A vida é intensa, e, muitas vezes, o envolvimento nos afazeres diários nos impede de prestar atenção àqueles que estão a nossa volta – cônjuge, filhos, amigos, etc.  

Costumo observar o comportamento das crianças do nosso Colégio. A maioria delas vem de famílias desestruturadas, o que é muito comum na região em que trabalhamos. Talvez essas crianças não sejam notadas em suas casas, não por causa do corre-corre diário da vida, mas, sim, devido à luta pela sobrevivência. Grande parte dos responsáveis por elas – mãe, avó ou um parente próximo – precisa correr contra o tempo para, pelo menos, conseguir a alimentação básica. 

Temos um caso específico de uma menina de nove anos que vou chamar de Rocío. Ela tem mais três irmãos de pais diferentes. Mora com a mãe em uma casinha bastante simples e apertada. Vem para a escola pela manhã e, à tarde, ao voltar para casa, tem de fazer as tarefas domésticas, cuidar do irmãozinho bebê, enquanto a mãe luta pela sobrevivência. Toda vez que Rocío me vê, ela se aproxima e, com seu rostinho bastante simpático e um olhar que demonstra carência, pede um abraço. É difícil não abraçá-la. Como é bom vê-la saindo com um lindo sorriso e uma carinha de felicidade! 

A estrutura familiar é um fator fundamental para a formação do indivíduo.  

Com a intensa migração do campo para a cidade, em todo o mundo, e particularmente na área em que vivemos, é muito grande o número de mães que vão tentar a vida na Espanha, Itália ou Portugal, e deixam os filhos com familiares e amigos. Evidentemente, a motivação é buscar algo melhor para dar a eles no futuro. Contudo, no afã de realizar esse desejo, deixam de oferecer o melhor: a estrutura de carinho e amor, que é importante nessa fase da vida.  

Como o modo de encarar a vida e as dificuldades diárias tem influenciado o comportamento da humanidade! A selva de pedra torna o indivíduo egoísta, e cada um busca alcançar seus fins, não se importando com os meios. Procuram o próprio bem-estar. 

Estamos testemunhando uma avalanche de conceitos impregnados de um crescente relativismo moral. A internet é uma ferramenta que veio disponibilizar e facilitar o acesso a informações. E esse fácil acesso tem colaborado para desvirtuar condutas, pois se tornou o centro de interesse do homem deste tempo. E são esses conceitos que determinam a relação entre a cultura social predominante e o mundo dos valores. 

Os direitos humanos são pisados em muitos lugares deste planeta. As tribos nas grandes cidades e os cartéis do narcotráfico têm se fortalecido e atuam em diferentes segmentos sociais. Compram autoridades, e a violência prevalece sobre a razão e abunda nos grandes centros urbanos. 

O crescimento de uma delinquência juvenil irracional, que demonstra não haver o mínimo escrúpulo e que chega aos extremos sombrios de violência e crueldade, está conectado com gerações humanas separadas de toda a possibilidade de distinguir entre o bem e o mal. Infelizmente, nossos jovens são praticamente órfãos de qualquer crença nos valores estáveis, porque foram criados no abrigo de uma visão utilitária e relativista das coisas. Muitos desses jovens “vivem dentro de si mesmos”, escondendo-se detrás de um monitor de computador e da pseudoproteção de grades nas favelas e guetos das grandes cidades. Vivenciam o paradoxo de um número sem fim de informações e uma gama imensa de pessoas em solidão total. 

Os devastadores efeitos das crises econômicas anestesiam o sentimento de solidariedade que seria capaz de atenuar o sofrimento dos setores mais desprotegidos da sociedade. Falta, nos segmentos sociais com maior poder de decisão, um sistema de pensamento fundamentado no reconhecimento dos valores éticos objetivamente certos. 

O relativismo, sobretudo moral, tem afetado grande parte da sociedade, favorecendo a tendência da dissolução da família – que é o âmbito natural em que se transmite os princípios e as noções de ordem moral, sobre as quais se constroem a plataforma de uma sociedade fundada na convivência e no respeito à dignidade das pessoas. Acrescento a isso, o próprio conceito de família que grassa na sociedade e é altamente difundido pelos meios de comunicações em suas programações, que atingem todos os setores da sociedade. Ou seja, a família já não significa um homem como pai e uma mulher como mãe. 

O enfraquecimento dos valores e da família é a origem da maioria dos males que corroem a sociedade nestes tempos: a delinquência juvenil, a corrupção, a desorientação dos jovens, o avanço das drogas e a perda do sentido da vida. Fortalecer a família contribuirá de maneira decisiva para eliminar os fatores que conspiram contra a harmonia e o entendimento social. 

Em todo o mundo, a sociedade tem sido atacada por uma violenta onda de delitos cometidos por menores de idade. Na maioria dos casos, essa violência se deve à falta de princípios éticos básicos, consequência da crise que agride a família, a qual tem deixado de ser um lugar de contenção e de acompanhamento para as crianças e adolescentes no processo de maturidade. 

A preservação do núcleo familiar é vital, pois é nesse espaço primário que se constroem os alicerces da personalidade e se planta a semente dos valores que modelarão e marcarão o comportamento das gerações vindouras. 

É indispensável que a família esteja aberta para a vida, arrancando pela raiz essa mentalidade hedonista que penetra cada dia mais no seio familiar. A verdade não pode ser medida pela opinião da maioria. Não podemos permitir que se quebre a comunicação na família. É preciso estimular a confiança e abrir canais para que o filho possa dizer o que sente e o que pensa sem temor de ser repreendido ou julgado.

Quando adolescente, meu filho compartilhava coisas que poderiam me deixar escandalizado. Nunca tive nenhuma reação que causasse alguma quebra de confiança na comunicação. Eu e minha esposa ouvíamos tudo e, à medida que a conversa se desenvolvia, procurávamos orientá-lo com os princípios éticos e bíblicos nos quais ele foi ensinado desde pequeno.

Recentemente, já entrando na fase adulta, meu filho me ligou e compartilhou algo comigo que estava lá no profundo do seu coração, algo bem íntimo. Conversamos alguns minutos, dei meu parecer e o orientei segundo o que entendia da situação e reiterando os princípios que regem nossa vida. Para mim, foi muito gratificante ver como flui o canal de confiança entre nós e como isso é bom e faz bem à família. 


“Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te.” (Dt 6,6,7.)



Todos devemos insistir para que os filhos desenvolvam o respeito e a compaixão por outras pessoas. Que sejam honestos, decentes e respeitosos. Que saibam defender princípios, cooperar com outros e atuar responsavelmente. Que tomem decisões moralmente corretas. As recompensas de promover valores morais em um jovenzinho são enormes: os jovens que crescem com valores fortes, consistentes, positivos, amando a si mesmos, confiantes, destacam-se em seus estudos e estão mais propensos a contribuir melhor para a sociedade. Isso tem sido o alvo de nosso ministério com a Escola Primária e Colégio no Paraguai. Recebemos crianças que vêm de lares completamente fragmentados, e cuja autoestima encontra-se destruída. E a nossa tarefa como missionários e educadores é tratar de infundir na mente dessas crianças e jovens todo o belo e positivo que os ensinamentos bíblicos e a vivência deles nos proporcionam. Trabalhamos fortemente o principio “Tudo posso naquele que me fortalece”. 

Assim como as crianças necessitam ser guiadas academicamente e ser educadas nos valores de uma sociedade civil, é fundamental seguirmos compartilhando conceitos que, de certa forma, são simples e profundos: como amar o próximo; o dinheiro deve ser ganho com um trabalho honrado; dizer a verdade e ser honesto; considerar o outro; respeitar opiniões contrárias; ser tolerante e assumir responsabilidades pelas decisões tomadas. 

Em palavras e ações, os pais cumprem um papel importante, ajudando os filhos a distinguir entre o bem e o mal, entre o correto e o incorreto. “O justo anda na sua integridade; felizes lhe são os filhos depois dele.” (Pv 20.7.) O próprio Jesus afirmou: “Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem” (Mt 23.3).

Uma atitude muito popular em nosso meio é: “Faça o que digo, e não faça o que faço”.  Não podemos ensinar o que não sabemos. Não podemos compartilhar o que não possuímos e é impossível enganar nossos filhos. 

Hoje em dia, nossos filhos sofrem várias ameaças. Elas, porém, não acontecem por acaso, e, sim, porque escolheram beber e dirigir, fumar, usar drogas, praticar sexo ilícito e abandonar os estudos. Pesquisas indicam que os jovens que têm um comportamento muito arriscado estão mais sujeitos a agir de maneira perigosa. Portanto, os pais devem ajudar os filhos a entender os riscos e as consequências potenciais de suas decisões, não somente em um futuro imediato, mas durante toda a vida.  

Querendo ou não, o pai é o modelo e o exemplo a ser seguido, e a maioria dos jovens compartilha os valores dos pais em seus aspectos mais importantes. Suas prioridades e princípios, bem como seu exemplo de bom comportamento, podem ensinar os filhos a tomar o caminho correto, ainda que o caminho fácil seja muito tentador.  

Se o pai persiste em terminar uma tarefa desafiadora e difícil, o filho estará mais inclinado a vencer os desafios e a terminar suas tarefas e deveres. Quando o pai se recusar a consumir bebidas alcoólicas, seguramente o filho estará observando. Se o pai aceita a derrota em uma partida de futebol com espírito esportivo e graça, o filho certamente aprenderá que ganhar não é tudo na vida. 

Se o filho vê os pais se tratarem com respeito, carinho, esse será o exemplo que seguirá nos relacionamentos e em seu matrimônio. 

Quando veem que os pais aceitam e respeitam pessoas de todas as raças, é bem provável que os filhos tenham amizades bastante diversificadas. Quando o pai devolve o dinheiro que recebeu a mais em qualquer lugar, estará mostrando ao filho na prática como funciona a honestidade. 

Quando o filho observa os pais tomarem decisões difíceis – “Vamos comprar algo mais barato agora para que possamos economizar dinheiro e fazer algo em família” –, ele percebe como é importante administrar o dinheiro e o valor que a família tem como um todo. Se o pai aceita as derrotas como parte necessária para o aprendizado na vida, levanta-se e segue em frente, é bem provável que o filho aprenda a sobreviver nos momentos difíceis. 

Se o pai tem a capacidade de rir dos próprios erros, o filho será capaz de aceitar suas imperfeições. 

Se o pai é dizimista fiel e entende que tudo o que recebe é por causa da graça de Deus, certamente terá um filho que seguirá o mesmo principio. 

As atitudes são sempre copiadas, seja para o bem ou para o mal. A atitude do pai em relação ao dinheiro e posses também serve de modelo para as atitudes dos filhos. Se o pai acredita que seu valor se define por posses materiais como automóveis, casas, roupa bonita, etc., é bem provável que o filho adote as mesmas atitudes. É muito importante que o pai supra as necessidades do filho, mas é preciso guiá-lo para que saiba discernir e diferenciar o que é necessidade do que é desejo; entre as prioridades e a vontade.

Ensinar a administrar o próprio dinheiro vai ajudar a compreender o valor dele. O uso pessoal de dinheiro dará oportunidade ao filho de aprender a economizar e a gastar o dinheiro sensatamente. 

Um dos mais antigos problemas que o homem enfrenta é não saber se comunicar de maneira adequada. Isso produz mais barreiras que pontes; separa mais que une. Portanto, é necessário trabalhar e se esforçar para que no contexto familiar haja uma comunicação sã e fluida. É preciso empenhar-se para viver os valores morais e lutar dia a dia para que não sejam destruídos, mas sim multiplicados, ensinados e aprendidos por todos os que fazem parte da sociedade. 


Benides Bergamo é missionário da Mision Betania del Paraguay, desde 1986.

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