Quebrantamento

Existe apenas um caminho para a santidade e para o avivamento: a estrada da humildade e do quebrantamento.

Um pequeno grupo de líderes de certa igreja da Ilha de Lewis, nas Novas Hébridas, Escócia, começou a orar pedindo a Deus um avivamento para sua comunidade. Eles estavam sentindo um grande peso pelo povo do lugar, principalmente pelos jovens, que não demonstravam nenhum interesse pelas questões espirituais e até zombavam das coisas de Deus.

         Então passaram a orar três noites por semana, estendendo a reunião até a madrugada. Rogavam a Deus que derramasse um avivamento sobre a igreja. Um ano e meio depois de iniciada a busca, eles ainda não viam nenhuma evidência de mudança na situação.

         Afinal, certa noite, um jovem diácono se levantou e leu os seguintes versículos do Salmo 24: “Quem subirá ao monte do Senhor? Quem há de permanecer no seu santo lugar? O que é limpo de mãos e puro de coração... Este obterá do Senhor a bênção” (vv. 3-5). Em seguida, virando-se para os homens que se achavam à sua volta, o rapaz disse:

         “Irmãos, parece-me uma hipocrisia de nossa parte estarmos orando e esperando em Deus, se nós mesmos não estivermos com nossa vida acertada perante ele.”

         Então, aqueles homens se ajoelharam e, com humildade, confessaram seus pecados ao Senhor. Pouco tempo depois, Deus começou a derramar o seu Espírito de forma extraordinária, operando ali um despertamento espiritual que “abalou” toda a ilha.

         Para que uma família, uma igreja ou uma nação experimentem o impacto do avivamento, é necessário que, antes, alguns homens e mulheres o recebam em sua vida. E para isso é preciso que os envolvidos tenham um novo encontro com Deus. Entretanto, o grande empecilho para que tenhamos um despertamento a nível pessoal é o fato de não nos dispormos a nos humilhar e confessar que precisamos desesperadamente da misericórdia de Deus.

         Nossa geração acha-se condicionada para buscar a felicidade, uma vida perfeita e boas sensações sobre nós mesmos. Queremos uma autoimagem positiva, a aprovação geral e a cura para nossos traumas e nossa psique “enferma”. Contudo o interesse de Deus por essas questões não é igual ao nosso. O que o Senhor mais deseja – mais do que nos dar felicidade – é nos tornar santos. E o fato é que existe apenas um caminho para a santidade, ou para um avivamento genuíno: a estrada da humildade e do quebrantamento. A Bíblia deixa bem claro que esse é o primeiro pré-requisito para Deus derramar um avivamento sobre a igreja.

 

“Porque assim diz o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e vivificar o coração dos contritos.” (Is 57.15.)

 

         “Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado e salva os de espírito oprimido.” (Sl 34.18.)

 

         Muitas vezes, vemos o avivamento como uma época de muita alegria, muitas bênçãos, plenitude do Espírito e grande celebração. E assim é quando ele atinge a sua plenitude. O problema, porém, é que desejamos um Pentecostes “indolor”, um avivamento com muito “riso”. É que nos esquecemos de que os caminhos de Deus não são os nossos caminhos e de que, para “subir” a ele, primeiro temos de nos abaixar.

         Peterus Octavianus, um irmão que Deus usou grandemente por ocasião do avivamento de Bornéus, em 1973, lembra o seguinte:

         “O avivamento não começa com todo mundo feliz, divertindo-se muito. Principia a partir de um coração quebrantado e contrito.”

         Então, enquanto não buscarmos o Senhor com o coração quebrantado, não veremos Deus derramar um avivamento.

         Num primeiro momento, essa palavra “quebrantamento” não parece algo desejável. Afinal, ela causa um impacto tão negativo! E alguns até podem ter um pouco de medo dessa ideia. Isso acontece, talvez, porque abrigamos um conceito errôneo do sentido dela. Contudo nosso entendimento sobre o termo pode ser muito diferente do de Deus.

         Na verdade, ser quebrantado não é – como pensam alguns – andar com um semblante triste, sombrio, carregado, sem nunca rir ou ao menos sorrir. Tampouco é estar sempre numa atitude morbidamente introspectiva. Por outro lado, também não significa ter experiências profundamente emocionais. Uma pessoa pode até derramar rios de lágrimas sem estar realmente experimentando um quebrantamento. Ademais, ser quebrantado não é o mesmo que ter muitas mágoas profundas, resultantes de circunstâncias trágicas. É possível que alguém vivencie tragédias e sofrimentos graves e não se quebrante espiritualmente.

         O fato é que o quebrantamento não é um sentimento, mas uma decisão pessoal, um ato da vontade. Além disso, também não é uma crise, uma experiência que ocorre num determinado instante (embora possamos vivenciar momentos de crise no processo). Em realidade, trata-se de um estilo de vida, contínuo e constante.

         Ser quebrantado é viver concordando com Deus a respeito do verdadeiro estado de nossa vida e de nosso coração, vendo-nos como ele nos vê. É viver numa rendição absoluta e incondicional de nossa vontade à de Deus. Ou seja, é uma atitude do coração na qual, todas as vezes em que o Senhor nos diz algo, replicamos:

         “Sim, Senhor!”

         Quebrantar-nos significa quebrar totalmente nossa vontade própria para que o Espírito do Senhor Jesus flua por nosso intermédio. Aliás, o quebrantamento é a “resposta” que damos a Deus, ao sentir a convicção do Espírito e da Palavra de Deus, uma reação de humildade e obediência. E como a convicção é contínua, o quebrantamento deve sê-lo também.

         O verdadeiro quebrantamento tem uma dimensão vertical e uma horizontal. É a disposição pessoal de ter com Deus um relacionamento aberto, por assim dizer, “sem telhado”, e com o próximo uma comunhão “sem paredes”.

         A Bíblia contém inúmeros exemplos de indivíduos quebrantados. E o mais interessante é que, muitas vezes, ela os apresenta paralelamente a outros que não se quebrantaram. Em todos os casos, as duas pessoas cometeram algum pecado. Contudo a diferença entre elas não estava na natureza do pecado nem na dimensão dele. O contraste ficou mais marcado pela reação que os dois tiveram ao serem confrontados.

         Um exemplo é o dos dois primeiros reis de Israel. Ambos reinaram. Um deles, o rei Davi, num momento de paixão, cometeu adultério com a esposa de um vizinho e ainda tramou a morte do marido dela. Entretanto, posteriormente, um escritor bíblico faz uma menção a ele, afirmando que Davi foi “um homem segundo o coração de Deus”. Em contraste com isso, o pecado do rei Saul, seu antecessor, foi relativamente insignificante. Seu erro foi uma obediência incompleta. E, no entanto, isso lhe custou o reino, a vida e a família. Onde está a diferença?

         Quando o profeta confrontou o rei Saul acerca de seu pecado, ele se defendeu, justificou-se e não se considerou culpado. Pelo contrário; jogou a culpa em outros. Além disso, tentou encobrir seu pecado e as consequências dele. Em suma, essa reação revela um coração orgulhoso, que não se quebrantou. Já o rei Davi, ao ser confrontado, reconheceu seu erro. Assumiu total responsabilidade por ele e se arrependeu dos seus atos. Sua reação foi a de um homem humilde, quebrantado. E foi esse tipo de coração que Deus honrou.

         As pessoas orgulhosas dirigem a atenção para os erros dos outros. Possuem um espírito crítico, sempre apontando as falhas alheias. Olham para os pecados dos outros com um microscópio e para os seus, com um telescópio. Já as pessoas humildes, pelo contrário, têm um forte senso da própria carência espiritual. Consideram os outros superiores a elas mesmas.

         Os orgulhosos sempre procuram provar que estão certos. Já os quebrantados se dispõem a abrir mão da prerrogativa de estarem com a razão. Os orgulhosos constantemente procuram proteger seu tempo, seus direitos e sua reputação. Os quebrantados renunciam aos seus.

         Os orgulhosos querem ser servidos e ter sucesso em tudo. Os quebrantados querem servir os outros e ajudá-los a ser pessoas bem-sucedidas.

         Os orgulhosos têm uma grande necessidade de ser reconhecidos e queridos. E se alguém recebe um elogio e eles passam despercebidos, ficam profundamente magoados. Já os quebrantados reconhecem que são indignos da bênção de Deus e se sentem maravilhados quando o Senhor os usa. Além disso, alegram-se grandemente quando outros são honrados.

         Os orgulhosos prontamente culpam outros por seus problemas. Se alguém os critica, caem na defensiva e assumem uma atitude superior. Os quebrantados logo percebem quando foram eles que erraram numa determinada situação. Acolhem as críticas com um espírito humilde, disposto a aprender.

         Quando ocorre um conflito ou um mal-entendido num relacionamento, os orgulhosos sempre esperam que os outros venham lhes pedir perdão. Já os quebrantados, nesse tipo de situação, tomam a iniciativa de buscar a reconciliação. Eles vão à cruz, procurando ser os primeiros a se humilhar, por mais errados que os outros estejam.

         Os orgulhosos se comparam com outros e acham que estão muito bem. Não têm nada do que se arrepender. Mas os quebrantados se avaliam pela régua da santidade de Deus. Aí percebem que necessitam desesperadamente da misericórdia do Senhor. Entendem que têm de abrigar uma constante atitude de arrependimento.

         Os orgulhosos acham que não precisam de avivamento, mas têm certeza de que outros, sim. Os quebrantados continuamente sentem que necessitam de um novo encontro com Deus.

         Por que alguém iria querer quebrantar-se? (Ninguém quer, por exemplo, inscrever-se para sofrer ou fazer uma cirurgia.) É que a Palavra de Deus ensina que o quebrantamento resulta em bênçãos. Jesus afirmou o seguinte: “Bem-aventurados (abençoados) os humildes de espírito”, ou seja, os “quebrantados”, os que se reconhecem pobres ou espiritualmente falidos.

 

Quais são as bênçãos decorrentes do quebrantamento?

         Já vimos que Deus se aproxima dos quebrantados. O Senhor ergue os abatidos, mas os orgulhosos ele mantém à distância.

         Diante de nosso quebrantamento, Deus nos concede uma nova vida. Na véspera da crucificação, Jesus partiu o pão e o deu aos seus discípulos. Naquele instante, fez a seguinte declaração: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós”. Por sua morte na cruz, o Senhor nos deu a vida eterna. Assim também, quando nos dispomos a nos quebrantar, a vida abundante de Jesus pode fluir por nosso intermédio para abençoar outros.

         O quebrantamento nos comunica uma capacidade cada vez maior de amar e de adorar a Deus. A pecadora que ungiu os pés de Jesus com suas lágrimas e com o perfume precioso era uma pessoa quebrantada. Por causa disso, ela sentiu liberdade para derramar seu amor e sua adoração no Senhor Jesus, sem nenhuma restrição e sem se importar com a opinião daqueles que a observavam. E alguns de nós não sentem essa liberdade para amar e adorar ao Senhor Jesus de todo o seu coração. Talvez isso se dê porque não nos dispomos a nos quebrantar. É possível que estejamos preocupados com o que os outros irão pensar. Estamos mais ligados em proteger nossa reputação do que em adorar aquele que é o objeto de nossa devoção.

         O quebrantamento produz um aumento de nossa produtividade espiritual. É que Deus usa vasos quebrados.

         Quando o Senhor “quebrou” a força natural de Jacó em Peniel, ele pôde revesti-lo de poder espiritual.

         Quando Moisés, com sua vara, quebrou a rocha em Horebe, dela fluiu água fresca para saciar a sede do povo.

         Quando os trezentos soldados de Gideão quebraram os jarros de cerâmica, a tocha que estava dentro deles brilhou e Deus lhes deu uma grande vitória.

         Quando Jesus partiu os cinco pães do rapazinho, também os multiplicou de forma sobrenatural, podendo assim alimentar uma multidão.

         Quando Maria quebrou seu vaso de alabastro, a fragrância que estava dentro dele perfumou todo o ambiente.

         Quando o corpo de Jesus foi partido no Calvário, ali a vida eterna foi liberada para a salvação do mundo.

         Por último, vemos o fruto do quebrantamento no avivamento. Quando há quebrantamento por parte de indivíduos ou grupos, Deus derrama o seu Espírito em despertamentos espirituais. Por ocasião do avivamento galês, o cântico que mais se ouvia entre aqueles crentes quebrantados e contritos era: “Inclina-me mais e mais aos pés de Cristo”.

 

Por onde começamos?

         Primeiro, precisamos aprender a enxergar Deus como ele realmente é. E a razão é que, quanto mais nos aproximarmos dele, contemplando sua santidade, melhor veremos nossa carência espiritual.

         No capítulo 5 de Isaías, o profeta pronuncia diversos “Ais” sobre a sociedade de sua época, um povo imoral, materialista, orgulhoso e amante de prazeres. Por várias vezes, ele clama: “Ai dos que...” Mas em seguida, ele tem um encontro face a face com a santidade de Deus. Depois disso, sua mensagem já não é mais “Ai dos que...”, mas “Ai de mim...”! A pessoa quebrantada tem mais consciência dos próprios pecados do que dos de seus semelhantes.

         Depois de vermos a Deus como ele realmente é, temos de clamar ao Senhor, pedindo-lhe misericórdia. Nossa atitude agora será diferente da do fariseu que achava que, comparado com aqueles que o cercavam, ele estava muito bem. Pelo contrário; iremos fazer como o publicano que orou: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!”

         Em seguida, temos de aprender a reconhecer e a verbalizar nossa carência espiritual, primeiro diante de Deus. Isso é essencial para uma vida de quebrantamento. Aquele que é quebrantado não joga a culpa em outros. A atitude do seu coração é sempre a de dizer como naquele antigo hino: “Não é meu irmão, nem minha irmã, ó Deus, mas sou eu, Senhor, que preciso sempre de oração”.

         Ademais, o quebrantado é uma pessoa capaz de expressar a sua carência também para os outros. Se alguém não tiver um coração pronto a se abrir, tampouco experimentará o quebrantamento. Na maioria das vezes em que obtive vitória sobre o pecado e a tentação, isso ocorreu quando me dispus a me humilhar e a confessar o problema para um crente espiritualmente mais maduro. Então, esse, por sua vez, orou por mim, ajudando-me e cobrando de mim a obediência a Deus.

         Por último, temos de fazer aquilo que sabemos que Deus está querendo que façamos, mas nossa carne está nos dizendo para não fazermos! Em última análise, o quebrantamento é a entrega do controle de nossa vida a Deus. É como no caso de um cavalo que já foi domado. Ele se mostra sensível aos comandos do cavaleiro que o monta e obedece a eles.

         O coração que já se esvaziou de si mesmo e “quebrou” sua própria vontade e resistência, experimentará o revestimento e a revitalização espiritual do nosso santo e glorioso Deus que se humilhou para poder nos exaltar.

 

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         Nancy Leigh DeMoss trabalha há mais de vinte anos com a organização Life Action (Ação de vida). O presente artigo foi extraído da revista Spirit of Revival, da qual ela é redatora.

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