Quando ser FRACO é ser FORTE
Nedra Dugan
Após ter passado 35 anos longe da faculdade, retornei para fazer um curso de redação criativa. Baseada na experiência de meu cunhado como professor universitário, imaginei que eu provaria ser uma escritora tão boa quanto o restante de meus colegas, ou até melhor. Fiquei observando os demais alunos no primeiro dia de aula, tentando imaginar como eram, e à medida que as semanas se passaram eu logo descobri. Embora o piercing de Alisha se destacasse em seu rosto arredondado e eu percebesse a forte rejeição que ardia em seu interior sempre que ela falava dos pais, seu talento literário lhe garantiu um cargo no renomado jornal da faculdade. Betsy, uma garota ruiva e calada havia se formado em artes e fazia belos poemas a respeito de suas fotografias. Até mesmo David, o estudante de odontologia, era um excelente escritor. Vendo aqueles alunos talentosos, minha esperança de me estabelecer no mesmo nível que eles derreteu-se como manteiga que toca uma frigideira quente. Então decidi que seria mais sábio seguir o velho ditado: manter a boca fechada e fazer com que pensassem que eu era inteligente em vez de abri-la e pôr fim à dúvida. Felizmente, durante o primeiro mês de aulas meu plano funcionou e eu pude preservar minha imagem.
Entretanto não durou muito. Certo dia, o professor levou a classe ao gramado em frente ao prédio para que contemplássemos um chafariz que embelezava o cenário do campus. Os bocais da fonte lançavam delicados arcos de água em um lago artificial raso. Nossa tarefa era escrever algumas linhas de poesia inspiradas naquela fonte. Fiquei olhando para o papel em branco, sem nenhuma ideia, tentando elaborar rimas inteligentes que impressionassem meus colegas. Imaginei os arcos de água como cavalos em disparada, ou talvez o vestido branco de uma senhora, ou até mesmo um contorcionista. O tempo da tarefa terminou muito rapidamente e o professor nos chamou para fazermos um grande círculo na grama, de modo que cada aluno lesse seu poema em voz alta. Comecei a entrar em pânico.
O primeiro aluno leu seu texto composto de um belo estilo de prosa. Achei estranho, porque as frases não rimavam. O mesmo aconteceu com o trabalho do segundo estudante, e do terceiro também. Como os primeiros raios de luz que despontam sobre uma montanha, aos poucos fui percebendo que meus colegas estavam num nível completamente diferente do meu. Sempre achei que poesia tinha de rimar, e agora meu trabalho parecia amador e infantil. Fiquei constrangida, pensando como meus versos soariam nos ouvidos "profissionais" de meus colegas. Betsy comparou a fonte a um padeiro espalhando farinha, e quase engasguei quando Becky assemelhou a água do chafariz a um orgasmo. A medida que se aproximava minha vez de falar, percebi a destruição de minha "fachada" chegando cada vez mais perto, como um tanque de guerra que se move lentamente em direção de sua vítima. Fiquei ruborizada e meu coração acelerou. Eu, uma missionária de 56 anos de idade, parecia estar totalmente fora de lugar junto àqueles jovens incrivelmente criativos. Então chegou minha vez. Aos poucos, abri a boca e cada sílaba foi sendo pronunciada no ar quente de outono, soando mais como uni sopro de morte do que como belos versos poéticos. Assim como Adão e Eva após o pecado, eu havia sido desmascarada. Senti-me exposta e envergonhada.
Ao longo do semestre, esforcei-me ao máximo em meus trabalhos, mas o professor distribuía elogios como um avaro dando esmolas a um pedinte. Cheguei à conclusão de que eu era uma aluna mediana, e não uma surpreendente escritora.
Quem gosta de se sentir deslocado? Quantas vezes já me coloquei perante uma multidão para cantar ou pregar, sentindo-me incapaz e desqualificada, clamando desesperadamente pela ajuda de Deus.
Quantas vezes você já se sentiu fora de lugar tendo de realizar alguma atividade? Será que isso é apenas uma condição humana? Ou será que esses sentimentos são mais uma manifestação de um orgulho competitivo? Por acaso podemos aprender alguma coisa em situações assim? Antigamente eu não tinha reconhecido isso, mas agora começo a perceber que, de alguma maneira, nesses momentos agonizantes, o Senhor se vale de nossos sentimentos negativos para que nos apoiemos em sua força.
Sou grata a Deus pelo apóstolo Paulo. Após apresentar uma lista de suas realizações à igreja de Corinto, de diz àqueles cristãos que havia recebido um espinho na carne para que não se vangloriasse. (Por acaso isso lhe parece familiar?) Tendo pedido ao Senhor que o poupasse e ouvindo a recusa divina, ele declara: "De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas... porque, quando sou fraco, então, é que sou forte" (2 Co 12.9b,10).
Deus se valeu daquele espinho na carne para dar ao apóstolo Paulo uma visão clara de si próprio: um homem fraco e inadequado que insistia em realizar tudo em sua própria força, e que poderia acabar atrapalhando o mover-divino em sua vida. Paulo precisava encarar a realidade, assim como nós.
Por acaso é Deus que nos faz sentir deslocados? Não necessariamente. Nem sempre isso é parte de um plano divino. Um sentimento geral de inferioridade não vem do Senhor, e geralmente resulta de ideias e conceitos errôneos. Falsa humildade, a recusa em reconhecer habilidades pessoais ou desmerecer a si próprio para parecer humilde também são atitudes tipicamente humanas.
Também temos de saber diferenciar despreparo de sentimento de inadequação. Se alguém me pede para dar uma palestra e eu não me preparar, posso me sentir deslocada e incompetente, e com razão. Entretanto não é disso que estou falando. Refiro-me a reagir diante do que o Senhor nos pede para fazer — seja em nosso trabalho secular ou no ministério eclesiástico. Dar uma aula, pregar, cantar, aconselhar, liderar um grupo ou orar — e, apesar de nos prepararmos para essa tarefa, ainda assim nos sentimos inadequados e incompetentes.
Moisés é um excelente exemplo disso. Na primeira fase de sua vida, ele transpirava autoconfiança. Enquanto caminhava pelo Egito em sua vestimenta real, demonstrava ser um homem bem preparado, que provavelmente estudou nas melhores escolas, e que certamente morou na melhor casa do país, tendo sido adotado pelo homem mais rico de todos. Moisés era "nota dez!" Ele tinha tamanha autoconfiança que, certo dia, ao passear entre os escravos hebreus, pensou ter o direito de matar um egípcio!
Agora vamos avançar 40 anos. Deus e Moisés estão tendo um diálogo e o Senhor acabou de pedir a Moisés que retorne ao Egito e liberte o povo hebreu. Moisés diz: "Quem sou eu para me apresentar diante do faraó? Como o Senhor espera que eu lidere os israelitas e os retire do Egito? Eles não vão acreditar em mim!" Então o patriarca incita a ira de Deus quando afirma: "Não sou bom com as palavras. Nunca fui, e certamente não sou agora... por favor, envie outra pessoa".
Por acaso esse parece ser o mesmo Moisés?
Não creio que haja alguém que goste de se sentir fraco ou inadequado. A autoconfiança combina muito mais conosco. E, no entanto, Deus só poderia usar Moisés quando sua autoconfiança fosse quebrantada e ele se enxergasse como realmente era: fraco e inadequado para a tarefa que o Senhor lhe designara.
Então, em minha vida cotidiana, como posso mudar minha perspectiva de uma autoconfiança excessiva para uma dependência correta de Deus, sem desenvolver um complexo de inferioridade ou a passividade? Por mais estranho que pareça, a palavra "barro” pode ser a chave para encontrarmos a resposta.
- O barro é comum
Provavelmente esse é um dos materiais mais antigos, mais baratos e acessíveis aos seres humanos desde a criação. A Bíblia nos compara ao barro através das palavras do profeta Isaías: "Pai, nós somos o barro, e tu, o nosso oleiro" (Is 64.8). Somos um "material" bastante comum, e talvez seja por isso que, eventualmente, nos sentimos como o personagem da série de livros "Onde está Wally?" "Por acaso eu tenho importância em meio a mais de 6 bilhões de pessoas?" A resposta é um enfático "sim". Se não tivéssemos importância para Deus, ele nunca teria morrido para nos redimir.
- O barro é útil
Desde os tempos bíblicos e até os dias de hoje, o barro continua sendo usado, embora a tecnologia moderna nos ofereça o plástico, o aço inoxidável e outros materiais de muito maior qualidade. Por todo o mundo, vasos de barro continuam guardando milhares de litros de água, e tijolos de barro servem para dar abrigo a grande parte da humanidade. O Senhor deseja nos usar e irá fazê-lo, se aceitarmos ser como o barro — se reconhecermos nossa fraqueza. Tive uma agradável surpresa ao descobrir que essa fraqueza é mais confortável do que eu imaginava. E muito melhor ser eu mesma do que tentar agir corno uma pessoa autossuficiente.
- O barro é frágil
Até mesmo uma criança pode espatifar um vaso de barro ou quebrar um tijolo. No entanto, quando unido com o cimento e o aço, esse material quebradiço se transforma em prédios de apartamentos. Nós também podemos ser úteis, embora frágeis. Não precisamos fingir. Deus quer que sejamos sinceros. Muitas vezes já orei pedindo: "Senhor, me ajude. Não sei se consigo fazer isso". Então ele veio e encheu meu vaso de barro com sua presença e seu poder. Suspeito que esse seja o verdadeiro significado de humildade, e não um sinônimo de pobreza e falta de instrução, como normalmente ouvimos. Ser humilde significa retirar a máscara e a fantasia e deixar que as pessoas vejam quem somos realmente.
- O valor de um vaso de barro está no seu conteúdo
Você preferia ter um vaso de barro com mil moedas de ouro ou um vaso de prata cheio de terra? Paulo exulta em nossa fraqueza: "Temos, porém, este tesouro em vasos de barro" (2 Co 4.7). Quando estamos dispostos a sermos vistos como barro - inadequados, incapazes ou mesmo menos inteligentes do que pensamos ser - submissos nas mãos do oleiro - a luz e o poder de Cristo podem brilhar... "para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós". Não há espaço para o orgulho se desenvolver.
Jesus sempre é um exemplo perfeito. "Pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou" (Fp 2.6, 7a). Aqui a palavra "esvaziar" transmite a ideia de fraqueza e inadequação, não é verdade? Jesus aceitou ministrar ao mundo a partir de suas fraquezas, e não de sua força. Ele, o Deus onisciente, escolheu depender plenamente da revelação do Espírito Santo enquanto caminhou nesta terra. Ele, o Deus onipotente, escolheu tornar-se um prisioneiro impotente dos soldados romanos. Ele, o Deus onipresente, escolheu se restringir às limitações de um corpo humano.
O Senhor também nos chama para nos esvaziarmos. Ele nos convida a ministrarmos em meio à nossa fraqueza, e não a partir de nossa força; de uma posição de dependência e não de independência. Ele nos chama a nos esvaziarmos, para que ele possa ser tudo em nós.
Portanto é assim que devemos reagir quando Deus nos pede para ministrarmos a alguém. Em vez de fugirmos de situações que nos fazem sentir fracos e inadequados, devemos acolher as oportunidades de confiar em Deus, sabendo que ele nos usa apesar de nossa condição. E assim o milagre acontece.
Sobre a Autora
Nedra Dugan é missionária da Missão Evangélica Betânia e vivenciou grande parte das histórias narradas neste livro. Nasceu em Grafton, Dakota do Norte, EUA e veio para o Brasil juntamente com seu esposo, Patrick Dugan, em 1974.
É musicista e escritora. Escreveu um livro infantil (As Aventuras de Craby, o caranguejo) e diversos artigos de edificação espiritual. Junto com Patrick, fundou o grupo musical Vida Abundante e participou da gravação de 7 CDs.
Atualmente, vive na cidade de São Leopoldo, RS, e continua seu trabalho junto à Missão Evangélica Betânia. Ela e Patrick também viajam pelo Brasil cantando e pregando a mensagem do Evangelho.
Nedra tem 4 filhos e 11 netos.
6 comentários
Rosilene temoteo
Não te conhecia, mas agora vou ouvi as músicas e também vê suas publicações e manter contato amei vc…. Á adorei a mensagem, Muito edificante, gostaria de saber se posso usa-la em uma reunião de líderes?
Mensagem da Cruz
Para os leitores que quiserem mais informações sobre o ministério da Nedra Dugan, favor visitem o site da Vida Abundante: http://www.grupovidaabundante.com.br/
Izabela Torres
Gostaria de conhecer mais o seu ministério? Como posso?
Nicola Losacco
Excelente texto! Gostaria de saber, como entrar em contato com a Autora, pois tenho uma fanpage e gostaria de utilizar o texto para fazer um vídeo. Mais uma vez, Parabéns Nedra! Suas palavras, vieram em um momento exato da minha vida.
Que você continue sendo vaso de honra!
A Graça e a Paz seja com você!
Nicola
luciana sucasas vani
Este texto veio como resposta de Deus para minha vida. Incrível como Deus cuida de nós e se importa conosco.
Adeildo Ferreira de Oliveira
Gostaria de adquirir este livro, gostei do pouco que li, que Deus em sua infinita graça continue abençoando a Irmã Nedra e sua família. um grande abraço.